Embalagens descartadas incorretamente contaminam o solo e podem causar doenças nos agricultores, como câncer. Logística reversa é uma forma de evitar esses efeitos.
BRUNO CALIXTO
A experiência brasileira no campo mostra que é possível resolver um problema complicado, e serve de exemplo para vários setores que vão precisar implantar sistemas de logística reversa. Estamos falando do descarte das embalagens de agrotóxicos, um material necessário nas grandes lavouras e que, se não for destinado corretamente, pode causar sérios danos ao ambiente e à saúde.
Essa experiência está sendo colocada em prática pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (InpEV), uma organização que agrega os principais elos da produção agrícola no campo, desde associações de agricultores até os fabricantes de agrotóxicos. Segundo dados do instituto, cerca de 94% das embalagens de agrotóxicos colocadas no mercado foram devolvidas para a indústria e tiveram destinação final correta.
O instituto foi criado para que as empresas que produzem agrotóxicos conseguissem cumprir a legislação, que obriga a destinação correta dessas embalagens. Segundo o pesquisador doutor da Embrapa Meio Ambiente, Marcelo Morandi, a iniciativa tem obtido êxito. "O Brasil atualmente é o líder mundial em recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos, atingindo alta porcentagem de recolhimento", diz, comparando com projetos similares em outros países, como os Estados Unidos, que não têm os mesmos resultados.
Chamados de defensivos agrícolas, os agrotóxicos são utilizados nas lavouras para matar pragas e doenças das plantas, e evitar que insetos e animais destruam uma plantação. Os agrotóxicos foram popularizados nas lavouras como uma das inovações trazidas pela chamada "Revolução Verde", uma série de técnicas agrícolas que melhoraram muito a produtividade no campo e firmaram a importância do agronegócio no mundo - só para se ter uma ideia, a exportação de produtos agropecúarios, como soja ou carne, é hoje a principal fonte de renda na balança comercial brasileira. Mas se as técnicas agrícolas possibilitaram aumentar a produção, elas também têm um efeito coletaral.
O uso irresponsável de agrotóxicos pode contaminar o meio ambiente e trazer sérios prejuízos à saúde. As pessoas mais expostas a problemas são os próprios produtores, quando aplicam o produto sem proteção, ou quando reutilizam de forma inapropriada as embalagens de agrotóxicos.
O uso irresponsável de agrotóxicos pode contaminar o meio ambiente e trazer sérios prejuízos à saúde. As pessoas mais expostas a problemas são os próprios produtores, quando aplicam o produto sem proteção, ou quando reutilizam de forma inapropriada as embalagens de agrotóxicos.
Segundo o inpEV, essa realidade está mudando. O instituto foi criado para fazer a logística reversa das embalagens. A logística reversa é um conceito que diz que as empresas responsáveis por colocar um produto no mercado também devem se responsabilizar pela forma como esse produto é descartado. Ou seja, assim como é de responsabilidade da indústria do papel criar meios para que as pessoas possam reciclar o papel, a indústria dos agrotóxicos é responsável pelo descarte das embalagens utilizadas.
João Cesar Rando, presidente do instituto, afirma que o projeto já recolheu, nos dez anos de funcionamento, mais de 200 mil toneladas de embalagens de agrotóxicos. Em porcentagem, isso faz do Brasil um dos mais avançados na área, já que o país consegue dar um destino adequado a 94% das embalagens de agrotóxico colocadas no mercado. Só em 2011, foram 34 mil toneladas de embalagens.
Após o uso do agrotóxico, o agricultor é obrigado a descartar as embalagens em uma das unidades existentes para recolhimento. Hoje, há 425 unidades que recebem o produto, em quase todos os Estados do país - apenas o Amapá ainda não conta com uma unidade. Nas unidades, a maior parte das embalagens, cerca de 92%, passa por um processo de limpeza e é reciclada. As unidades aplicam uma tecnologia chamada de "tríplice lavagem" - as embalagens precisam ser "lavadas" três vezes, para reduzir o teor químico e viabilizar a reciclagem. Os 8% das embalagens não recicladas são destinados à incineração.
Rando diz que antes de se fazer a logística reversa no Brasil, os produtores e agricultores se viam obrigados a queimar as embalagens, e também era comum a reutilização delas. "Na época, a recomendação era que os agricultores enterrassem as embalagens. Isso era um grande problema para eles, que não queriam enterrar com medo de prejudicar a plantação".
O perigo do descarte incorreto é que a exposição pode causar doenças sérias, como distúrbios respiratórios, neurológicos e até câncer. Os riscos são graves. Os números mais recentes são de 2009, da Fundação Oswaldo Cruz, que mostram que mais de 180 pessoas morreram no ano por intoxicação de agrotóxicos. No total, foram 11.641 casos, o que faz dos agrotóxicos a segunda principal causa de intoxicação do país, atrás apenas de intoxicação por medicamentos.
O descarte correto reduz drasticamente esses riscos, e também mostra para a sociedade que é possível fazer a logística reversa dos produtos - nos debates da formulação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, empresas de vários setores argumentavam que criar um sistema para recolher embalagens aumentaria os custos para as empresas, e esse aumento seria repassado ao comsumidor. "No nosso setor, está ocorrendo queda de preço dos produtos. Ou seja, mesmo com a criação de um sistema de logística reversa, os preços não subiram. De toda forma, a logística reversa é lei e tem que ser cumprida. É uma responsabilidade compartilhada: cada elo da cadeia produtiva faz a sua parte", diz Rando.
Por Bruno Calixto _ Revista Época