É errando que se aprende
Errar é saudável, desde que você assuma que errou, repare o dano que causou e aprenda com ele
por Eugênio Mussak | fotos André Spinola e Castro | produção Samir Zavitosk
O físico e escritor australiano Paul Davies, autor, entre outros, do livro O Quinto Milagre, em que lança novas luzes sobre a origem (e o sentido) da vida, revela que, mesmo antes de a ciência surgir, o homem já dominava algumas tecnologias e cita como exemplos a bússola, que teria sido inventada na China, e o bumerangue, criado pelos aborígenes australianos. Diz: "O bumerangue não foi inventado partindo da compreensão dos princípios da aerodinâmica.
A bússola não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Esses e outros mecanismos foram alcançados por tentativa e erro. A ciência veio depois".
De fato, a ciência surgiu na Europa no século 18, após as teorias de Pascal e de Descartes e dos experimentos de Newton. Até então, a humanidade evoluía a partir das tentativas, errando muito e acertando às vezes (tanto é que dizemos "tentativa e erro" e não "tentativa e acerto"). Mas foi graças a isso que nos organizamos para diminuir o número de erros em nossas tentativas. A ciência derivou da observação e da catalogação dos erros, que, dessa forma, passaram a não ser repetidos. Em outras palavras, começamos a fazer ciência quando aprendemos a aprender com os erros passados.
Errar é humano. Aprender também. Infelizmente algumas pessoas não estabelecem conexão entre essas duas qualidades. Esse sim é um grande erro. Na verdade, o erro só é erro quando não é percebido. Quando é, torna-se aprendizado. Sem essa percepção, correm-se dois riscos: o de repetir erros sem aproveitá-los para evoluir e o de parar de tentar por medo de errar.
Vivendo e aprendendo
Jean Piaget, psicólogo e filósofo suíço falecido em 1980, postulava que a aprendizagem é induzida pela experiência e que, ao longo do processo de desenvolvimento, cada ser humano constrói seu conhecimento. Nessa prática, o erro é um componente importante. A própria ação do indivíduo e o modo como ele organiza as novas experiências são os componentes que formam o conhecimento de cada um. E, para realçar que o homem é construtor de seu conhecimento, o estudioso denominou sua postura teórica de construtivismo.
Piaget também disse que as crianças estão constantemente testando suas teorias próprias sobre o mundo. Por isso, as respostas que o mundo dá às suas ações são muito importantes. Ao fazer alguma coisa errada, a criança precisa saber que errou e entender por que aquilo é considerado erro. Assim, dotadas de sentido, as informações serão internalizadas e os erros não voltarão a se repetir. Houve aprendizado.
A criança tem suas teorias particulares sobre o mundo, e se ao testar alguma for simplesmente recriminada, sem receber explicação para a censura, não compreenderá por que sua teoria é falsa e por que sua forma de agir é considerada errada. Quando isso acontece, ela pode passar a ter medo de testar novas experiências, por medo de errar. O número de erros certamente diminui, mas também o de acertos. Se ela internalizar esse sentimento, terá perdido uma boa parte de sua capacidade de aprender. Sem isso, será difícil construir sua autoconfiança.
O erro bom
O erro bom é aquele que abre alternativas. Consta que o inventor da lâmpada, o americano Thomas Edison, ao ser intimado por seu patrocinador a interromper suas experiências, disse: "Por que desistir agora, que já sabemos muitos modos de como não fazer uma lâmpada? Estamos hoje mais próximos de saber como fazer uma lâmpada que antes". Ou seja, para Edison, errar aumenta a chance de acertar na próxima tentativa. A julgar por sua capacidade de aprendizado e o legado que deixou, sua opinião merece atenção.
O matemático austríaco Piet Hein também era inventor. Foi ele que criou o cubo mágico, aquele brinquedo diabólico em que é preciso deixar cada face do cubo de uma única cor. Talvez você não saiba, mas há mais de 240 caminhos para resolver o cubo. Para chegar a um deles, no entanto, é preciso errar bastante. Isso significa que o jogador terá que tentar muitas rotações até conseguir organizar os quadradinhos corretamente. E precisa memorizar as rotações erradas para não cometê-las novamente. Se não aprender com o erro, vai insistir nele e continuar insistindo até o limite de seu controle emocional.
Quem já tentou sabe que dá vontade de desmontar o cubo e remontá-lo certo. Essa fraude, embora seja possível no jogo (vai dizer que você nunca fez isso), não o é na vida. Não há como desmontar o mundo e montá-lo como nos pareça certo. A única alternativa é aprender a viver, o que pressupõe tentar, errar e tentar novamente.
Quer um atalho? Ele existe: aprenda com o erro dos outros. De preferência daqueles que acabaram acertando no final. Esse atalho pode ser encontrado no estudo, na leitura e na interação com outras pessoas, especialmente os mais velhos. Hein, o do cubo, escreveu um curioso poema a respeito de sua invenção e da filosofia do erro:
O caminho para a sabedoria
Bem, é direto e simples de expressar:
errar,
errar
e errar novamente...
Mas menos,
menos
e menos...
O erro oculto
Entretanto, há erros inconscientes, dos quais às vezes não temos como nos livrar. O pai da psicanálise, o médico austríaco Sigmund Freud, os denominou fenômenos lacunares. São lacunas que ocorrem na consciência, abrindo caminhos para o inconsciente. Entre esses fenômenos estão os lapsos e os atos falhos. Trocar o nome de um conhecido é um erro que, quando acontece, nos deixa com uma estranha sensação de vazio. Você já experimentou essa bizarra saia-justa? Pois você sofreu um fenômeno lacunar. Freud explica.
A psicologia, a filosofia e até as legislações ao redor do mundo aceitam que errar faz parte da condição humana. Mas todas são unânimes em dizer: "Não faz mal que você erre, desde que esteja aprendendo com seus erros". Na antiga Roma, o respeitado político e orador Marco Túlio Cícero dizia que "errar é próprio do homem, mas perseverar no erro é coisa dos tolos". Séculos depois, o filósofo alemão Emmanuel Kant disse que "o contrário da verdade é a falsidade. Mas, quando a falsidade é tida como verdade, passa a se chamar erro". Muitos pensadores da humanidade disseram alguma coisa a respeito do erro e, creia, todos eles erraram muito, só que entraram para a história por seus acertos, é claro.
O erro previsto
Outra característica do erro é ser involuntário. Até porque, se for proposital, deixa de ser erro e passa a ser crime. Até o Código Penal Brasileiro prevê tal diferença, cuidando também dos erros, não apenas dos crimes. Por exemplo, se alguém pega sem querer um objeto de outra pessoa, pensando ser seu, praticou uma ação ilícita sem saber. A lei chama isso de "erro de tipo". Essa pessoa não será condenada, mas pode ter que ressarcir os danos causados por sua desatenção.
Há também o "erro de proibição", em que a pessoa errou por não saber que o que fez era proibido pela lei. Um caboclo que sempre caçou animais nativos não sabe que sua atitude é considerada crime contra a fauna. Nesse caso, o Estado assume sua parte de culpa, pois devia dar a essas pessoas a noção do erro, através da educação.
A virtude do erro
O erro não nos afasta da virtude.
A maneira como lidamos com ele sim. Duas qualidades devem acompanhar o erro: a responsabilidade e o aprendizado. Ser responsável significa responder por seus erros, o que é próprio dos adultos. Aprender significa incorporar as noções do que é certo e o que é errado, o que é próprio dos atentos. Ser adulto e estar atento são qualidades dos que acertam mais, mesmo que tenham errado muito.
Resumindo: errou? Não faz mal, desde que você seja lúcido para admitir que errou, seja humilde para assumir a responsabilidade, seja esperto para consertar o resultado, seja sábio para incorporar o aprendizado.
Isso vale para pessoas, para organizações e para a própria sociedade. Em uma empresa de Joinville, vi logo na entrada uma placa que dizia: "Aqui é permitido errar". Trata-se de uma empresa adulta e atenta e, claro, competitiva e rica. A moderna administração reconhece a importância do erro. Se bem que a sabedoria popular já fazia isso antes. Nosso Paulo Vanzolini, cientista e poeta, é autor da célebre música "Volta por Cima", em que ele dá conselhos àquele que, como ele e como todos, errou, mas por ser um "homem de moral, não fica no chão". O que faz, então? Ora:
Eugênio Mussak é educador e escritor. Seus acertos podem ser vistos em seu site: www.eugeniomussak.com.br"Reconhece a queda e não desanima.
Levanta, sacode a poeira,
e dá a volta por cima".
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