O descobridor do Brasil
O maior atacadista do país fatura1,6 bilhão de reais entregando
mercadorias em lugares aonde
poucos ousam chegar
Divulgação | Antonio Milena |
UM SALTO EM CINQÜENTA ANOS Alair, o Papai Noel sertanejo: de um pequeno armazém nos anos 50 a um faturamento de 1,6 bilhão de reais |
Alair Martins do Nascimento, de 68 anos, fundador do atacado Martins, é o Papai Noel dos grotões do Brasil. Os 2 500 caminhões da empresa com sede em Uberlândia, Minas Gerais, percorrem 125 milhões de quilômetros por ano, o equivalente a 3 119 voltas ao redor da Terra. Entregam mercadorias em todos os municípios brasileiros, fazendo um ziguezague constante num território equivalente a duas vezes e meia a área dos quinze países da União Européia. Nos grandes centros urbanos, as indústrias vendem diretamente às grandes lojas e supermercados. Fora das capitais, é outra história. Uma história que se confunde com a de Alair Martins. De acordo com estimativas, cerca de 60% dos alimentos industrializados, produtos de higiene, limpeza e perfumaria que circulam pelo interior do Brasil são distribuídos por empresas atacadistas das quais o grupo Martins é o maior representante no Brasil. Sem os caminhões da Martins, milhões de pessoas não teriam acesso aos produtos de Natal. É nesta época do ano que a companhia faz seu maior volume de entregas, mas a operação é sempre gigantesca em qualquer dia, semana ou mês.
Do pequeno e humilde armazém, fundado na década de 50 com alguns trocados, ao império de hoje, Alair teve muito trabalho e pouco glamour. Para ganhar cada milhão, foi obrigado a mudar de estratégia continuamente. Depois da etapa inicial do desbravamento do Centro-Oeste, a Martins se beneficiou da inflação galopante. "Assim como as demais companhias do setor, ela comprava produtos da indústria na última semana do mês e vendia na primeira do mês seguinte, incorporando a inflação passada", conta Geisa Cleps, professora da Universidade Federal de Uberlândia e autora de um estudo sobre o assunto. Mas, para se distanciar dos concorrentes e chegar a um faturamento anual de 1,6 bilhão de reais, a Martins precisou ser mais do que oportunista. Foi necessário ser também pioneira. "A empresa percebeu antes das demais que apenas entregar mercadorias não bastava", diz Altamiro Borges, dono da consultoria ABPL. A Martins fundou um banco para financiar seus clientes e começou a orientá-los na montagem da loja. Ensina-lhes coisas que vão da composição adequada de produtos até a maneira mais atraente de distribuí-los pelas prateleiras. Os treinamentos e os cursos acontecem na Universidade Martins do Varejo, em Uberlândia, ou no caminhão usado como escola itinerante.
Fotos divulgação | Antonio Milena |
ESCOLA PARA OS CLIENTES O caminhão itinerante da Universidade Martins do Varejo simula uma loja: treinamento e cursos para comerciantes de qualquer lugar do país |
Quando Alair tinha 17 anos, morava na região de Uberlândia e pensava em parar de trabalhar na roça para montar um armazém. Vivia sonhando com caminhões e carros. O primeiro aliado foi a mãe, dona Lidormira. Foi ela quem conseguiu convencer o pai de Alair a vender uma pequena propriedade rural e financiar o armazém de secos e molhados do filho. Já no primeiro ano Alair pagou a dívida com o pai, e ainda sobrou dinheiro para reinvestir. Logo depois, casou-se com Vanda, sua mulher até hoje. Os três filhos foram criados dentro da Martins, e apenas um deles tem negócio próprio. Alair não completou o ensino fundamental, mas aprendeu rapidamente o caminho para fazer o negócio sair do armazém. No fim da década de 50, já tinha uma pequena frota de caminhonetes usadas. Comprou o primeiro caminhão no início da década de 60. Quando a economia brasileira começou a crescer a taxas altíssimas, no fim dos anos 60, ele estava pronto para decolar vendendo para pequenos comerciantes.
Hoje, Alair mora em uma casa confortável, com quadra de tênis e piscina aquecida, mas sem grandes ostentações. Depois de tantos anos de trabalho, reservou tempo para curtir os netos e praticar dez horas de exercícios por semana. Nada, caminha e faz alongamento, orientado por uma personal trainer. Não gosta de falar de política, mas, questionado sobre o fato de Lula, uma pessoa simples como ele, ter chegado ao posto mais alto na nação, responde: "Se ele escolher bem as pessoas que vão trabalhar com ele, como eu fiz, as chances de sucesso são grandes", diz Alair.
Fotos Antonio Milena | Antonio Milena |
TECNOLOGIA DE PONTA Wilson José da Silva, motorista há quinze anos da Martins: informações via satélite (à esq.). Os três robôs no depósito de Uberlândia (à dir.) |
Além da empresa-mãe, Alair criou sete outras firmas, entre elas um banco que financia a abertura de lojas e a compra de mercadorias. No depósito em Uberlândia, o trabalho pesado fica a cargo de três robôs, que deslocam as caixas enquanto apenas três funcionários acompanham a operação. Tudo é computadorizado. Os 4.000 vendedores a serviço da empresa visitam semanalmente mais de 180.000 clientes em todo o país e têm como ferramenta de trabalho um laptop, o que permite que o prazo de entrega varie de um a quatro dias no máximo. Nessas entregas, os caminhões da Martins despejam coisas volumosas ou tão simples como dois ou três aparelhos de barbear, uma dúzia de canetas esferográficas, uma garrafa de uísque ou dez pacotes de absorventes higiênicos. Os caminhões param até para entregar uma única lâmpada, se houver um pedido assim na lista. Os destinos podem ser um vilarejo encravado no meio da Amazônia ou um povoado perdido no meio do pampa gaúcho. Um quarto dos caminhões é monitorado por um sistema de rastreamento de carga via satélite que já reduziu os roubos em mais de 90%. A indústria reconhece o esforço da Martins na busca por segurança e qualidade. A Philips, detentora das marcas Walita e Philishave, tem de 5% a 7% da distribuição de seus produtos feita pela Martins. "A vantagem de trabalhar com o Alair é que o grupo consegue atingir os pontos mais isolados do país", diz Amália Sina, vice-presidente da Philips do Brasil.
Divulgação |
SEM BARREIRAS A Martins atende a todos os municípios do país, mesmo os de difícil acesso. Ao ano, são 125 milhões de quilômetros percorridos |
A expansão das grandes redes de supermercados e lojas é um dos maiores temores de empresas como a Martins. No cenário internacional, os grandes distribuidores de mercadorias já começaram a perder terreno porque os fabricantes estão dispensando os canais intermediários, entregando eles próprios aquilo que produzem. "Faz parte de um esforço para diminuir os preços dos produtos", explica Marcos Gouvêa de Souza, consultor especialista em vendas. No Brasil, estima-se que a área de alimentos industrializados, produtos de higiene, limpeza e perfumaria tenha vendas de 100 bilhões de reais por ano. Desse total, 56% já são vendidos diretamente das fábricas para as grandes redes de supermercado e lojas. Cerca de 16% ficam com empresas do estilo do Makro, que vendem para comerciantes.
A pressão vem tanto de fora quanto de dentro do setor atacadista. O que uma companhia inova num dia é copiado no seguinte pelos competidores. Curiosamente, as três maiores firmas de atacadistas do Brasil têm sede em Uberlândia. Quer dizer: o exemplo de Alair Martins foi seguido por gente que morava junto dele. Nilton Peixoto de Souza começou a vida como engraxate e hoje comanda a terceira maior empresa de entregas do país. Atento aos acertos do concorrente, a Peixoto passou a dar consultoria a seus clientes em áreas como marketing e visual das lojas. A Arcom, a segunda companhia do ranking nacional de entregadoras, é chefiada por Dilson Pereira da Silva, o "Dilson da Mortadela". Quando chegou a Uberlândia, na década de 50, Dilson revendia mortadela usando uma bicicleta. Além do apelido, ganhou dinheiro, poupou e acabou comprando o caminhão que deu origem à empresa. Até meados dos anos 90, a Arcom distribuía apenas artigos de armarinho. Hoje explora a venda de alimentos e material de limpeza. Nesse ambiente competitivo, os erros podem custar caro. Nos últimos anos, o mercado dava como certa a indicação de Juscelino como sucessor do pai, Alair. Uma parceria frustrada com o grupo português Jerônimo Martins e o fraco desempenho do negócio de comércio eletrônico embolaram a sucessão. Alair, que dava sinais de estar se afastando do comando da empresa, voltou com toda a carga ao comando.
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